Análise: Radiohead - OK Computer (1997)


Se há quem refira que os anos 90 foram vazios em termos de criação musical e de movimentos musicais além do Grunge, então não conhecem o fenómeno, o poder musical e o marco que é Radiohead. O papel de Radiohead no mundo da música é quase tão importante como a influência de qualquer género musical, porque Radiohead rompe com todas as definições do que é um género musical. Começaram como uma banda de rock alternativo, mas nos dias de hoje, basta falar-se em Radiohead para não ser necessário enquadrá-la ou mesmo rotulá-la.

Mas remetamo-nos ao álbum de análise de hoje, o 3.º álbum de originais de Radiohead – “OK Computer”. O ponto de partida do “OK Computer” foi, por incrível que possa parecer, o álbum de Miles Davis, “Bitches Brew”. O que fascinou Yorke neste álbum foi o seu som denso e desconcertante e referiu mesmo que era como se estivesse a assistir à construção de algo e depois vê-lo desvanecer. Foi essa essência que Yorke tentou captar e até transpor para o álbum “OK Computer”. Se a banda conseguiu? Tentaremos responder a essa questão no final da análise do álbum.

“OK Computer” é um álbum que apresenta uma linearidade de temas e de conceitos, debruçando-se sobre temas como o consumismo, a estagnação política e o estado actual da sociedade, temas estes que são alvos de crítica massiva por parte dos Radiohead. Senão, oiçamos Airbag, onde há uma necessidade clara de renascer e de salvar o universo (I’m born again (…) I’m back to save the universe). Mas nem tudo é uma crítica alusiva à sociedade, por vezes as músicas debruçam-se sobre as lutas internas do indivíduo, a insanidade a que essas lutas podem conduzir e até mesmo a morte.

Mas apesar desta linearidade e desta conexão existente entre os temas, os Radiohead não consideram que este seja um álbum conceptual. Admitem que existe uma continuidade, mas não se desenvolve perante um só conceito. Yorke refere que apenas se restringiu a retratar o mundo tal como ele é, como se estivesse a tirar Polaroids. Yorke encara o “OK Computer” como se houvesse uma câmara escondida num quarto e é como se observasse cada personagem que lá entrasse. E assim se desenvolve uma personagem diferente para cada canção. No entanto, Yorke distancia-se na observação do mundo e das personagens que nele habitam, avaliando cada momento de forma neutra, mas não isento de emoções. Não fosse o “OK Computer” um álbum carregado de emoção, angústia e de oposição face ao estado actual das coisas. Mas esta angústia pode não transparecer à primeira audição. Por vezes, assiste-se mesmo a um antagonismo entre o que a música retrata e o que a música nos faz sentir. É somente uma das inúmeras particularidades deste álbum.

A nível musical, a banda tentou utilizar um vasto leque de instrumentos, incluindo cordas e efeitos electrónicos. Mas logo à primeira audição do álbum, consegue-se perceber que a guitarra é o instrumento dominante. Uma curiosidade a este respeito: as vozes que estão no álbum são originárias dos primeiros takes, pois Yorke considerou que se fizesse diversos takes e só depois encaixasse o melhor take na música, iria retirar a pureza da voz e tornaria as músicas mais artificiais.

Paranoid Android é o hino de “OK Computer”. Ela é não só a música mais longa do álbum (6:23), mas é também a mais complexa, musicalmente falando. Paradoxalmente, a própria banda diz que esta música foi escrita por piada, depois de diversas noites regadas com álcool.

Outro hino, entre muitos outros que caracterizam o “OK Computer”, é o Karma Police. Basta ouvi-la à primeira vez para perceber que é uma música dividida em duas partes, a primeira mais serena, contudo com letras que consubstanciam a temática da loucura, da insanidade mental e pelo sentimento de distanciamento de si próprio (for a minute there, i lost myself, i lost myself), para posteriormente partir para uma segunda parte instrumental que serve de catártese para a desorientação sentida até então.

Mas a temática da insanidade não fica por aqui. Climbing up the walls aborda claramente a existência do monstro no armário, sendo que este monstro é revelado como não mais do que o próprio eu. And either way you turn / I'll be there / Open up your skull / I'll be there / Climbing up the walls.

E se não bastasse a “experiência” enlouquecedora de Climbing up the walls, logo a seguir aparece a terna e deprimente, mas igualmente sombria, No Surprises. Como já referimos, não é por acaso que a No Surprises aparece no álbum a seguir à Climbing up the walls. Nada acontece por acaso em OK Computer. Depois da tal experiência enlouquecedora, passamos para a sua antítese ou para a etapa final dessa loucura. No surprises tem sido interpretada como o caminho que leva ao suicídio ou então como a demonstração de uma vida pouco preenchida ou como a necessidade de uma alteração e ruptura brutal do quotidiano. O próprio videoclip, com Thom Yorke numa câmara e com a água a subir lentamente, representa essa tentativa de suicídio ou mesmo o próprio suicídio lento que as pessoas vão cometendo na continuidade do seu dia-a-dia. Mas no fim, não é por acaso que Thom Yorke resiste e volta a respirar. É o sinal de que há saída para tudo o que foi retratado anteriormente. É possivelmente a música em OK Computer com uma carga emocional mais pesada, não só através das letras, como também através da música que entra em sintonia e expressa claramente aquilo que o actor está a sentir.

Um último apontamento acerca do grafismo do CD. Todo o artwork é feito através de colagem de imagens e a capa pretende representar uma tentativa de venda de um produto a uma pessoa que vai comprar mas não precisa nem pretendia comprar nada. Mais uma vez, a crítica ao consumismo da sociedade actual. E se repararmos na capa com atenção, aparece lá escrito “Lost Child”. A intenção é clara depois de ouvirmos o álbum com atenção e depois de lermos algumas letras. Somos todos esta Lost Child, perdidos e sem orientação nesta sociedade vilmente criticada pelos Radiohead.

Perguntámos anteriormente se os Radiohead teriam conseguido construir algo para depois destrui-lo, torná-lo altamente desconcertante e igualmente belo. Se “OK Computer” não conseguiu fazê-lo, dificilmente existe outra banda que o consiga.

“OK Computer” é um álbum que deve estar presente na colecção de todos os bons apreciadores de música. Mas preparem-se para ficar desconcertados.

Análise efectuada por Scatterbrain.


Tracklist:
1. Airbag
2. Paranoid Android
3. Subterranean Homesick Alien
4. Exit Music (For a Film)
5. Let Down
6. Karma Police
7. Fitter Happier
8. Electioneering
9. Climbing up the walls
10. No Surprises
11. Lucky
12. The Tourist


Músicas de Destaque:
Paranoid Android
Karma Police
The Tourist

Nota final (1/20):
19

2 comments:

Unknown said...

Adorei o post! Parabéns! Mas pode me dizer o que significa "catártese?" rs desculpa a ignorância mas estava procurando no Google e não achei, então não quero parecer maluca :)

Unknown said...

E mais uma vez parabéns pelo post! Sua visão sobre o significado do que Radiohead tenta passar é a mais ampla que já vi! =)